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quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Parece, é ou tem sabor? (Gnosiologia chavística)

-E que sabor são?
-A que parece de limão é de groselha, e tem gosto de tamarindo. A que parece de groselha é de tamarindo com sabor de limão. E a que parece de tamarindo é de limão com sabor de groselha.
(Chaves vendendo seu peixe-refresco)

A gnosiologia e epistemologia (teoria do conhecimento) se confundem, entretanto a epistemologia ganhou um outro aspecto no decorrer dos séculos e passou a ser uma designação que serve para várias disciplinas, podendo ser traduzida pelos fundamentos e validações próprias de qualquer ramo do saber. A questão de como o conhecimento se dá, no sentido de apreensão da realidade ficou sendo o que se chama de gnosiologia, ou seja, como eu conheço um refresco? Suas propriedades estão na minha cabeça ou fora de mim? Para facilitar (ou não), conheço o refresco pelo que ele é, parece ou pelo sabor?
Kant foi um filósofo que tratou dessas questões de uma maneira exaustiva em sua Crítica da razão pura. Um livro que demorou mais de uma década para ser escrito (provavelmente não atendendo aos padrões de produtividade atuais de pesquisa científica) e que não pretendo abordar em suas minúcias por aqui embora recomende a leitura, de qualquer pessoa interessada em entender como a filosofia funciona, através de uma construção rigorosa e complexa.
A questão do filósofo foi de muito humildemente estabelecer os limites do que de fato poderia conhecer, nesse ponto a crítica não significa nada mais do que limite, estabelecer os limites do conhecimento. O que vendo assim parece pouco é uma fundamentação de toda uma física newtoniana que se estabeleceu a partir de não se filiar a uma causa primeira mas de estudar os efeitos (fenômenos) e extrair leis a partir desses efeitos e não de uma causa necessária. Dentro do famoso juízo sintético a priori, é possível desenvolver ciência, universalizando uma teoria antes da experiência (no campo lógico, a priori é diferente de inato). O mérito de Kant foi de unir empirismo e racionalismo para teorizar sobre o conhecimento. Existem as intuições (que advém da experiência de uma estética transcendental) e os conceitos da lógica (analítica transcendental)  que são processados pela razão que efetua o processo de entendimento a partir disso. Não há primazia de um conceito isolado de uma experiência estética e vice versa. Em outras palavras, pensamento conceitual sem a experiência sensorial (conteúdo) é um pensamento vazio, intuições (experiencia sensorial) sem pensamento conceitual são cegas. (B75; TP 77) 
Pois sim, depois disso fica a questão quanto aos refrescos. Não sabemos se é de limão ou de groselha ou de tamarindo, porque não conhecemos o refresco independente do nosso ponto de vista sobre ele, ou seja, o refresco em si mesmo nos é desconhecido. Após a experiência definimos um gosto e podemos fazer uma relação com o que nos parece.
Posso ser acusado de superficialidade ao tratar de um filósofo tão complexo mas é interessante notar que o ponto de partida de Kant que levou a essa filosofia crítica chamada de criticismo, foi o ceticismo de Hume que segundo o próprio filósofo alemão, o despertou de um "sono dogmático." Encerro com uma frase que não é de Hume mas resume o ponto de partida cético.
"De que o mel é doce, é algo que me nego a afirmar mas que parece doce, isso eu afirmo plenamente"

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Reprovado (!)




quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Educação e Chaves e a Filosofia

-"Eu sou pedagogo"
-"E eu que culpa tenho"

(Diálogo entre o professor lingu...digo professor Girafales e Sr. Madruga)




A educação também é ocupação da filosofia. Obras como O mestre ignorante do filósofo Jacques Rancière e quase que todas obras de Silvio Gallo, são exemplos dessa ocupação e filosofar partindo da ideia dos fundamentos da educação mas principalmente do que seria educar em filosofia, ou seja, o que isso representa.
A fala de Seu Madruga (ou Don Ramón), apresenta uma perspectiva interessante em se contrapor uma pedagogia de um lado e a vida concreta de outro. Embora seja um grande tema até para outra postagem, é preciso dizer que o ambiente do seriado, apesar da fala e do video em destaque no começo, talvez não seja o melhor para vislumbrar algo que seja: "minha nossa mas que maravilha de discussão pedagógica", até porque o objetivo já declarado pelo próprio criador do seriado, Roberto Bolaños, é entreter e com a frase correta ao invés da falha de Don Ramón. Nas palavras de Chespirito o programa não é para que se saiba a capital da França mas para que se possa rir com algo simples e inofensivo. 
Entretanto, em postagens anteriores em que respondo um texto que desqualifica o seriado após a morte do autor da série atribuindo o contrário de algo "simples e inofensivo" recebi um comentário revoltado com a defesa...de uma arte que não tem obrigações pedagógicas. O texto ao qual me referi na dita postagem ressalta o mestre Cantinflas que para exemplificar seria algo como o Chaplin mexicano. Porém, é estranha uma "glamourização" e romantização de Cantinflas para uma crítica ao Chaves supostamente já consagrado. Esse tipo de postura não só parece artificial, como aparenta mostrar uma certa intelectualidade e bom gosto frente a um público geral ignorante, algo que remete a adolescência e a disputa pela banda mais obscura a se ouvir. O caso é que os "problemas" de Chaves não estão livres de ocorrer em Cantinflas e em vários outros tipos de programas antigos como três patetas, irmãos Marx etc. Da mesma forma programas atuais que passam em um atual "filtro" podem não passar em um novo filtro amanhã e até mesmo não são 100% simples e inofensivos nos padrões atuais. 
Não se trata de uma crítica do mundo chato e politicamente correto mas de algo elementar (regras de educação elementar já diria o mestre Girafales), há um contexto envolvido. Pessoas que não estão em uma atividade pedagógica, mas sim assistindo TV. Quem gosta do seriado não agirá conforme o que acontece em uma vila hipotética e reproduzirá tudo que acontece em um seriado dos anos 70 e 80 sem o mínimo de critério, isso é no mínimo risível. É possível gostar do seriado e ser crítico em relação a muitos pontos. Piadas que eram comuns não são mais, porém não se pode chamar de hipocrisia simplesmente gostar de um seriado. 
Um sinal dos tempos é se fazer militância com pauta moral, as vezes se é bem intencionado mas por melhor que seja a intenção, a política não é um jogo moral individual. Pensar a educação e pedagogia é também se preparar para enxergar os contextos.
Mas e a filosofia nisso? Pois sim, não estudar Aristóteles por ter sido a favor da escravidão, Nietzsche por ter tido seu discurso corrompido e por algumas posições polêmicas. Heidegger por seu envolvimento com o Nazismo se encaixa nisso. Nada menos pedagógico que simplesmente excluir sem maiores explicações. Se sua pedagogia é essa, eu não tenho culpa.     
   

sábado, 21 de setembro de 2019

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Xinfurínfula como superação da arte

- Esse é meu
- Isso eu sei , mas o que significa.
- é uma xinfurínfula.
- E isso que coisa é?
- Uma coisa que eu inventei, ficou idêntica não é?
- Ahh sim, ficou igualzinha, vou te dar 6.
- 6 por que? Se ficou idêntica devia dar 10.
(Diálogo entre Chaves e professor Girafales)

A arte como representando o real ou como uma forma de mostrar a realidade, sofreu um forte abalo com o advento das novas tecnologias como a fotografia e posteriormente o cinema. Mas é possível pensar em filosofia através desse fenômeno tão simples como "tirar" uma foto? Desde o episódio de Don Ramón fotógrafo, sabemos o quanto é difícil fazer uma foto. E se trata disso mesmo, a foto é construída, não há um decalque que é retirado da realidade, a foto é feita, construída. Há todo um aspecto de pose, pensamento e porque não dizer...arte. O real é infotografável. Se uma árvore cai (ou pinho,  aqueles do boliche), e não tiver ninguém para ouvir ela faz barulho? 
Para além de paradoxos famosos, o real, a realidade, a famosa "coisa em si" está em questão de ser plenamente conhecida desde Kant e até antes dele. Afinal, seria possível conhecer a realidade em si mesma? Temos acesso aos fenômenos (som da árvore caindo por exemplo) mas a realidade total e concreta em que há toda uma infinidade de possibilidades nos escapa. A questão que se coloca é epistemológica, se seria possível conhecer de fato as coisas em si mesmas e não por meios de percepções que nos chegam através dos sentidos. 
E o que isso tem a ver com a arte e fotografia?
Diante de qualquer foto somos enganados. As pessoas representam um personagem nos retratos. A fotografia é feita por pessoas que são dominadas inconscientemente por modelos a serem reproduzidos ou serem evitados, por pulsões e desejos. A fotografia não dá a realidade mas pode questiona-la. A fotografia é a arte do imaginário por excelência, as vezes ela capta as aparências as vezes invisíveis ao olho humano e não a simples realidade. Ela é mais imaginação do que visão.   O real não pode ser apresentado como tal pela fotografia, essa impossibilidade e essa falta constituem o valor da fotografia. Para Kant o homem só apreende e só pode conhecer os fenômenos e não a coisa em si. A fotografia é sempre fotografia de um fenômeno e não da coisa em si. 
E o que isso tem a ver com Chaves?
Nesse curto diálogo, Chaves está liberto da prisão que se exerceu durante muito tempo às artes de representar o real. Com as novas tecnologias o espaço para uma representação fidedigna da realidade se deslocou para a arte abstrata. E não se poderia dizer que se ficou idêntica? O "10" seria merecido tanto para uma Xifurinfula como para um desenho perfeito que imitaria uma foto.

Fonte: SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. Trad. Iraci D. Poleti e Regina Salgado Campos. São Paulo: Senac São Paulo, 2010 
   

domingo, 19 de maio de 2019

Coach , Chaves e a Filosofia



- Mamãe o sr. Madruga vai me cochear (Kiko em sua ingenuidade feliz de ser um coachee)

- Já fizeram calistenia?
- Pois não quiseram nem com um suquinho de laranja
(diálogo entre o professor e o coach, talvez se fosse um oleozinho de coco daria mais resultado)

É interessante observar essa abundância (palavra bastante adotada por eles) de coachs e uma interessante resposta diante desse fenômeno contrariando e de certa forma contestando a abordagem e os rumos que a dita profissão tomou. 
O coach é sintoma de um neoliberalismo, de uma vida em que tudo é visto como um jogo a se ganhar, da noção do empresário de si mesmo e de uma vida voltada a se gerir tal qual uma empresa e nisso entra muitos aspectos da vida: os relacionamentos precisam ser geridos de modo a se tornar um belo investimento, a saúde da mesma forma e a vida profissional nem se fala, é o terreno preferido de uma abordagem coach. Apesar dessa perspectiva apresentada, o objetivo da postagem não é apenas criticar tal situação, até porque, apesar dos pesares, é possível vislumbrar e intuir que há bons profissionais que realmente buscam auxiliar o próximo e conseguem transcender uma lógica apenas de sucesso material em seu trabalho.
O caso é que o coach é simplesmente um treinador, tal qual vimos no fatídico episódio do futebol americano. E o mais curioso é que temos como coach alguém sem o mínimo preparo, um pobre diabo, um joão ninguém, digo, o Seu Madruga. Em termos atuais, Seu Madruga representa o anti coaching, o próprio programa em si, na sua estética de uma humilde vila representa um certo antídoto e oposição ao coach. 
No episódio temos o começo de uma desmotivação geral de Chaves e Chiquinha até o momento que Seu Madruga (coach) começa a treiná-los para o esporte. Após alguns problemas, a animação com uma boa jogada é tanta que o coach tem problemas com a comemoração dos coachees e é infelizmente hospitalizado. Não acho que seja preciso tanto, mas é interessante notar que após inúmeros workshops, pagamentos e afins, existe um momento de superação, ou pelo menos deveria existir, embora na vila do Chaves nem coach, nem coachees alcançaram o sucesso absoluto.
Ahhh mas e a filosofia? Onde está a filosofia? Já vi relatos de auto-intitulados filósofos que são coachs, porém não são deles que quero falar. Platão já foi um coach. Sim, por mais que seja com razão espinafrado pela academia por falar tal blasfêmia e cometer esse anacronismo, há uma parte da vida de Platão em que o filósofo foi até Siracusa (antiga Sicília) auxiliar por três vezes a família que governava o local (Dionísio I e II) e ao contrário do ideal coaching foi extremamente mal sucedido. Não foi por falta de tentativa, de se esforçar, de foco força e fé. E olha que estamos falando de Platão. Talvez a verdadeira tirania de nosso tempo e que precisa de coach não seja o que boa parte dos que procuram por tal serviço acham que é, ao mesmo tempo a filosofia talvez precise de um certo treinamento, por mais que se busque fugir de seus jargões e palavras difíceis, a filosofia é também composta por ergón (trabalho), ou seja, é preciso de um certo esforço que foge de fórmulas prontas e fáceis para conseguir exerce-la. 
Por sorte, ao contrário de Seu Madruga, Platão mesmo correndo grande perigo conseguiu fugir ileso.