Seguidores

sábado, 31 de dezembro de 2022

Um ano mais e como não poderia deixar passar: Pelé.

 Como de praxe, ano novo e sempre desejamos a toda equipe técnica (eu), um ano mais. Nesse ano de algumas boas alegrias e mortes de pessoas importantes. Jô Soares que sempre foi simpático ao seriado levando dubladores e os próprios personagens para entrevistas e mais recentemente o rei Pelé faleceu.

Entre polêmicas vazias ou não, para quem admira o esporte é incontestavelmente o melhor jogador dentro das quatro linhas. Mesmo que cometam anacronismos e falas a la Felipão que antigamente amarravam cachorro com linguiça (não se trata do professor Girafalles). O caso é que Pelé de fato é eterno em sua genialidade. Não o vi jogar mas de relatos e afins dá pra saber que não é verdade que o futebol não era competitivo nessa época, Pelé foi sempre muito bem marcado, às vezes até com violência que era devidamente respondida e revidada. No único título da Inglaterra esteve fora dos jogos decisivos, ganhou 3 copas e toda mágica em torno do seu nome não é a toa.

Mas enfim, aqui falamos de Chaves e a famosa frase sobre o filme do Pelé na verdade é sobre um outro filme, do próprio Roberto Bolaños, que ele promovia no seriado sobre um roupeiro que sonhava ser jogador de futebol (El Chanfle, algo como "o incrível").

As alusões futebolísticas no seriado são recorrentes e o criador do seriado Roberto Gómez Bolaños registra em sua autobiografia o tanto que o futebol fez parte de sua vida, desde a copa do México em 70, até o fato de ter conseguido conhecer seus maiores ídolos no esporte: Maradona e Pelé.

Então é isso, apesar dessa despedida do maior futebolista de todos os tempos, sempre poderemos revisitar o..."filme do Pelé". 



quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Hegel e Chaves

 Extraaaa, extraaaaa 10 pessoas enganadaaas, extraaaaa (chavinho anunciando um final infeliz da Razão)

Bom, apesar da frase inicial a ideia não é enganar ninguém aqui. Vou tentar escrever sobre Hegel e Chaves sim, mas não chegaremos no âmago do pensamento hegeliano. Mesmo com o amplo material e acúmulo disponível ainda há muito trabalho sobre o pensador Hegel. Desde leituras heterodoxas até leituras mais ortodoxas.

O aspecto que eu pretendo focar aqui é breve, talvez até brevíssimo e vocês poderão se informar com pessoas que sabem muito mais de Hegel do que eu. Tem o...não esse não, tem também o...não, ahh tem aquele...não esse menos. Mas enfim, deve haver alguém explicando Hegel bem na internet. Prefiro não citar ninguém devido não saber se as pessoas gostariam de ser citadas nesse humilde blog.

Pois sim, já tivemos Kant por aqui nessas bandas, naquela postagem sobre os sucos, ou refrescos (o que parece, tem sabor ou o que é). Hegel parte do "muro conceitual" erguido por Kant e constrói mais coisas partindo dali. Se ele é mais kantiano do que gostaria de admitir, se sua filosofia é...uma viagem, não entramos aqui nesse mérito.

Como diria Seu Madruga ao Chaves em sua leitura pausada de epístolas ("não faça vírgulas"), então sigo daqui, a partir do que postei no texto sobre Kant, procurando evidenciar justamente certo prosseguimento epistemológico. Há toda uma discussão em Kant sobre o conhecer e o conhecimento, empirismo e racionalismo. Hegel parte de uma proposta de resgate da metafísica, porém uma metafísica que passou pelo crivo kantiano. 

Nisso, chegamos a célebre frase do racional ser real e o real ser racional que apesar de ser famosa alguns qualificam como equivocada do ponto de vista da tradução (o correto seria que o racional é efetivo...), só que, partindo do que queremos mostrar nessa postagem, há um encaixe com a situação do episódio do Chaves vendendo jornal vencido ao Seu Madruga.

A verdade empírica, fechada numa lógica de tempo e espaço, faz com que o sujeito ao ver um jornal de ontem entenda ter sido enganado. E de fato houve uma trapaça. Só que se a compra ocorresse no dia anterior o jornal seria atual. 

Não há um final feliz para Seu Madruga na estória. Hegel, por sua vez, numa leitura clássica, possui um percurso de final feliz para a Razão. Mas aí cabe fazer a questão: estamos enganados quanto a teoria de Hegel, tal qual Seu Madruga e seu jornal de ontem?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Deleuze e Chaves

Pois sim, Deleuze e Chaves aqui mas não, não é algo que se pretende muito profundo, ao contrário, ficaremos no nível mais prosaico. Aliás, num movimento de desterritorialização da profundidade, por que não dizer isso aqui? Principalmente ao se falar de Deleuze, parece que essa palavra, "desterritorializar", gerava algum ganho material ao nosso filósofo, pois é citada de forma bem ampla por toda obra deleuziana.

Eis que o paralelo que pretendo fazer por aqui são os desenhos. E veremos que tanto em Chaves quanto em Deleuze o mote de: - "vou desenhar para você entender", não é tão aplicável.

Os clássicos desenhos de Chaves e Kiko transbordam de certo surrealismo interpretativo. Alguém maldoso poderá dizer que tal qual o empreendimento de Chaves e a Filosofia mas já lidamos com isso na postagem passada então seguiremos aqui. 


Começamos com a ordem mais ou menos parecida com a do seriado, primeiro temos a primeira figura do lado direito que se trata de um tabuleiro de xadrez para principiantes (inclusive algumas figuras políticas tidas como enxadristas poderiam ter dificuldade de jogar mas não vem ao caso). A figura do lado esquerdo do xadrez é o sanduiche de ovo (ao falar já entendemos tudo que estava encoberto de significado num primeiro momento). Depois, mais abaixo, os desenhos complementares: a máquina de escrever de uma tecla só (do lado direito) e uma carta escrita com essa máquina (do lado esquerdo canhoto). Por fim, temos um lápis apontado diversas vezes (com o apontador e não com a imaginação, segundo Chaves). E para terminar, ao que parece, nesse desenho que achei, botaram um quadrado no lugar do desenho mais explícito que é o do professor linguiç...digo Girafalles.

Já em Deleuze e Guattari (esqueci de mencioná-lo mas é conjuntamente autor com Deleuze em muitas obras), no livro O que é a Filosofia, que num primeiro momento pode parecer um livro tranquilo e de fácil compreensão (spoiler: não é), há dois desenhos que chamam a atenção, começo do menos surreal para depois ir até o que é mais desconcertante e misterioso.



Em linhas gerais, esse desenho representa o que é o conceito (em seus desdobramentos), algo que é essencial no livro de Deleuze e Guattari. Ao explanar sobre Descartes em sua conceituação do Cogito (Penso logo existo) temos essa representação de: duvidar, pensar e ser, com enlaçamentos "virtuais" que ligam e conectam o conceito em sua imanência (eu avisei que era complicado) mas de qualquer forma temos aqui o primeiro desenho. E quem sabe ele não foi feito na aula tal qual no nosso nobre seriado (?)




Temos o segundo desenho e evitemos aqui piadas sobre Olavo mas literalmente é isso mesmo, temos uma caveira desenhada. Simplesmente representa a filosofia kantiana para Deleuze. 

"1. - O "Eu penso" com cabeça de boi, sonorizado, que não cessa de repetir Eu = Eu. / 2. - As categorias como conceitos universais (quatro grandes títulos): fios extensíveis e retrácteis seguindo o movimento circular de 3. / 3. - A roda móvel dos esquemas. / 4. - O pouco profundo riacho, o tempo como forma da interiorida-de na qual mergulha e emerge a roda dos esquemas. / 5. - O Espaço como forma da exterioridade: margens e fundo. / 6. - O eu passivo no fundo do riacho e como junção das duas formas. / 7. - Os princípios dos juízos sintéticos que percorrem o espaço-tempo. / 8. - O campo transcendental da experiência possível, imanente ao Eu (plano de imanência). / 9. - As três idéias, ou ilusões de transcendência (círculos girando no horizonte absoluto: Alma, Mundo e Deus)." (Deleuze e Guattari O que é a Filosofia? p.75)

E chegamos ao final dos desenhos, apesar desse último ser simplesmente mais parecido com o desenho do professor linguiça que rendeu alguns biscoitos para o nosso pobre chavinho, a carga conceitual e falta de obviedade não deixa de remeter a arte dos nossos personagens.



 



 

sábado, 19 de novembro de 2022

Que m...é essa de Chaves e a Filosofia?

Retomo o blog com um "incentivo", um amigo internético ao saber da empreitada sobre Chaves e a Filosofia presume se tratar de algo...pífio, vulgar, tolo e todos adjetivos professorais que conhecemos do próprio seriado (vide Girafalles se referindo ao trabalho madruguístico). E ao contrário de desanimar fiquei animado em retomar com a escrita. Por mais parado que esse site esteja, inclusive não figurando mais em busca de google. O ato de escrever corre solto quando me proponho a isso, numa internet quase que pré redes sociais. 

O marketing atual quase que onipresente adiciona camadas de neoliberalismo (sim vou usar essa terminologia sem dó aqui). O pós fordismo se instaura numa corrida para buscar um lugar ao sol do vício alheio. "Jogue o jogo", "não faça juízo moral, faça o que o algoritmo manda", "não pense, produza". 

Sim, não há o almejado sucesso aqui, é possível apontar o dedo para uma suposta frustração de alguém que não ganhou nada na internet em termos monetários mas a despeito disso há um certo orgulho do amadorismo, no que ele representa em tempos de monetização de paixões.

O dito Culto do Amador, desenvolvimento em livro sobre a falta de critério técnico e profissional promovida pela internet, dá lugar hoje a profissionais gabaritados obrigados a agir em um mundo cão de algoritmos, conjuntamente com o número de curtidas e afins como critério de validade.

Já ouço os ecos de suposto elitismo de minha parte, numa variação do "não pense, produza direito, ok?", "vá a luta", "trabalhe enquanto os outros reclamam (pensam)". Porque é isso que se trata os conselhos de produtores de conteúdo, a proposta de não se parar para pensar. Blog? Joga essa m...para o alto, foque no que está fazendo sucesso, siga a fórmula. Pare de brincar de internet. Então, retomando o ponto do Culto do Amador, o que temos é o culto-coach-empreendedor. Trate sua experiência na internet como uma empresa.

Se ganha muito dinheiro (tenho quase certeza que mais do que ganho num trabalho formal) mas do que vejo o trabalho é muito grande. Pessoas que ao mesmo tempo ensinam os truques (lunático, o ladrão, tal qual os mestres do iôiô) e se dizem cansadas, que invejam quem tem o "poder" de simplesmente "fazer nada" durante o final de semana, porque nessa de monetizar as paixões tudo precisa se transformar em produto, o tempo todo. O sempre criticado "viver no final de semana", vira um oposto exaustivo, o exaurir a vida de tudo, inclusive dela mesma. Não se espera o final de semana, se espera o final da festa, só que não há festa. Muitos querem entrar nessa suposta festa mas...não há festa.

Enfim, mas e Chaves e a Filosofia? Ele segue, como um produto, mas que ao mesmo tempo não quer ser produto. Criticável sim, só que o desvio da crítica é tranquilo. Inclusive me animo mais com algo como "Que merda é essa?", do que problematizações vazias, ao que parece tuiteras, de que o seriado é politicamente incorreto e que o empreendimento Chaves e a Filosofia é moralmente condenável porque...porque sempre se está errado para suprir as expectativas pós modernas. Portanto, segue o jogo, com os que ganham, os que perdem e os que reclamam de tudo.     

domingo, 8 de agosto de 2021

Paradoxo de Girafalles X Paradoxo da tolerância

 


Aproveitando o mote das olimpíadas é possível falar um pouco sobre a "selvageria, ante-sala do manicômio" e outros adjetivos utilizados pelo nosso querido personagem professor Girafalles. É até interessante porque frente um comentário anterior de um "leitor" revoltado com um suposto politicamente incorreto do seriado, é uma fala no seriado que teria um discurso totalmente contrário e bem politicamente correto, por assim dizer. Algo que é associado a uma anti-violência. E a filosofia? Pois sim, ela possui um pouco disso. É quase sempre dito que a filosofia em seu discurso racional é o oposto de uma violência. Adorno, Eric Weil, até mesmo Arendt e vários outros exemplos sempre se colocaram numa posição de repúdio a violência. Quase que num imperativo de fala em que onde entraria a violência a filosofia sairia pela outra porta. A perspectiva corrente no século XX é de que o nazismo fez ver os limites da razão, os limites do diálogo possível frente um outro violento. E dentro do famoso paradoxo da tolerância (Popper) vemos um professor Girafalles inimigo fidagal da luta mas que mesmo assim se empenha em não ser tolerante com o boxe praticado pelo garoto Chaves. Mas tal qual o filósofo será que há razão nisso? Uma crítica ao austríaco se pauta em justamente contestar que a crítica em sua "open society" a ditos totalitarismos de sistemas platônicos e afins é praticada da mesma maneira em sua visão e idealização. Da mesma forma, uma outra visão crítica sobre a violência tem sido refletida a partir da inserção de pensadores como Frantz Fanon, afinal, dentro de toda violência perpetrada por um sistema fundado na mais profunda violência colonial, seria possível desconsiderar e criticar o uso para fins de resistência? Sem respostas aqui ficamos com o clássico, pode ser que sim, que não mas o mais correto é: quem sabe? 

domingo, 1 de agosto de 2021

Russell, Bukowski e professor Inocêncio Girafalles

Pois sim, retomo o blog depois de muito tempo. O cringe blog de internet. Apagando alguns comentários de direitosos raivosos (a que ponto chegamos*)  e tirando o enferrujado do escrever nessa plataforma tão antiga. O prazer dos escritos em blogs merecem até uma atenção extra. Não sei exatamente dizer ao certo mas ao que parece as problemáticas falas do filósofo Agamben tomaram forma em um blog pessoal. Então retomamos o pacote cringe incluindo a filosofia nesse caldo.

Há um meme/imagem famoso que tem uma frase atribuída ao escritor Bukowski que diz que o problema do mundo é que as pessoas inteligentes estão cheia de questões enquanto as idiotas estão cheia de certezas. Entretanto essa frase não é do escritor estadunidense (chorem direitosos?) mas do filósofo inglês Bertrand. Bertrand Russell. A ideia aqui não é adentrar na filosofia do inglês voltada principalmente às questões mais abstratas da lógica que ligam a filosofia às matemáticas, mas sim focar nessa frase.

Enquanto o nosso querido professor Girafalles tem várias frases nesse caminho que até entram em confronto com isso diretamente. - "os idiotas sempre tem certeza do que dizem", há também o clássico: "só me enganei uma vez, quando achei estar enganado". 

Retomando a frase do filósofo inglês lá atrás (atrás mesmo não adiante), isso pode ser levado em um outro patamar menos rasteiro. Afinal seria um sintoma para a própria filosofia? Tirando o impacto e juízo de valor com idiotas e inteligentes, a filosofia hoje se permite ter certezas? Ou é próprio da filosofia sempre ser atopia (sem lugar) e aberta para tudo, inclusive para todo tipo de dúvida? Dentro da filosofia de Russell talvez certezas fossem o norte mas atualmente muitas das suas próprias certezas filosóficas foram postas em dúvida (enquanto estava vivo também). Uma outra perspectiva de resposta se ampara em uma raiz comum da filosofia na forma do clichê que filosofia é o reino das perguntas. Tomando por base Platão e seus diálogos que dão margem a um infinito vislumbre do Logos nessa forma de escrita, não há problema, mas sim uma condição sino qua non da filosofia nesse suposto clichê. A inteligência da filosofia deveria se primar por estar cheia de dúvidas. Mas aí chegamos numa certeza? Aí que está. É justamente esse tipo de pegadinha que pega o nosso personagem no contrapé: - Somente os idiotas tem completa certeza do que dizem. - Tem certeza? - Completamente!!

Ops.

   






















*uma certeza aqui pra esses ignóbeis: não há qualquer pudor em eu me dizer de esquerda aqui, sua denúncia é vazia,  tomamos essa afirmação na direção contrária, um atestado de não cretinice e elogio. 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Paradoxo de ChurruMênon

Posto aqui o excelente texto de Tiago Magalhães (Mestre e Doutor em Filosofia da Universidade Federal do Ceará). 

Chaves e Platão: Paradoxo de ChurruMênon

Não bastasse propor um trabalho de Chaves com filosofia ainda teve a sensibilidade de construir seu texto com um título que mistura o diálogo de Platão fazendo um trocadilho com o "objeto metafísico" do universo chavístico.

Antes de reproduzir o texto aqui um informe: existem novos episódios no podcast que pretende ser alimentado melhor esse ano. Como é dito nesse texto a era da internet com blogs morreu, com todas implicações e contradições que isso nos traz. Ou seja, uma internet cada vez menos democrática e mais voltada para uma experiência individualista de marketing e auto-promoção.

Dito isso segue o texto disponível em: https://www.anpof.org.br/comunicacoes/coluna-anpof/chaves-e-platao-paradoxo-de-churrumenon


Em um de seus manuscritos, Wittgenstein afirmou que é possível escrever um livro de filosofia composto inteiramente de piadas. Concordo. O trabalho do filósofo, que exige boa dose de distanciamento dos modos corriqueiros de pensar, frequentemente parece requerer certo apreço por irrelevâncias e absurdidades. Essa inclinação é compartilhada por loucos, crianças e humoristas, figuras que também conseguem se afastar com facilidade da lógica inerente ao mundo prático.

As minhas piadas favoritas de Chaves são justamente as que envolvem absurdos. A primeira contradição que me chamou a atenção, muito antes de eu começar a estudar lógica e filosofia analítica, está num esplêndido micro-diálogo entre Kiko e dona Florinda:

– Mamãe, posso entrar na piscina?
– Sim, Tesouro, mas não vá se molhar.

Quando criança, sacadas desse tipo me maravilhavam tanto que eu não conseguia vê- las apenas como divertimentos; elas pareciam revelar um mundo novo, repleto de possibilidades incríveis. Como a realidade concreta, com sua teimosia antipática, sempre me deixou um bocado desconfortável, acabei desenvolvendo grande propensão para o disparate.

Dessa forma, nada mais fácil que me identificar com as peculiaridades cognitivas do Chaves. Como ele, em alguns momentos, eu primeiro entendo sentidos bizarros das expressões e, só depois, o sentido mais usual, se é que venho a entender o sentido usual. Quando me pego fazendo isso, é quase irresistível repetir para mim mesmo: ‘ai, que buro, dá um zero pra ele!’.

Eu devia ter uns dez anos, quando, certa vez, meu tio Canuto – ou teria sido o tio Joãozinho? – me disse: ‘E então, jovem, o que é que há?’. Gosto de pensar que esse foi o pontapé inicial das minhas especulações metafísicas. Bem, é óbvio que estou enfeitando o passado. Claro que não tentei articular nenhuma tese ontológica naquele momento. Mas a fala me intrigou, porque realmente me pareceu uma pergunta estranha, sobre o que existe de modo geral, e não como simples saudação. Ao menos é assim que eu lembro. Algum implicante poderia alegar que, àquela época, eu já ouvira inúmeras vezes o famoso bordão do Pernalonga, mas isso não me faz abrir mão desse belo registro. Afinal, eu posso ter sempre entendido a frase toda – quequeavelinho – como uma espécie de interjeição longa usada pelo coelho, um gavagai qualquer que ele falava e eu nunca me dei ao trabalho de traduzir.

Estes dias, descobri que outra memória, de cuja fidedignidade nunca suspeitei, foi substancialmente recauchutada pela minha imaginação. E uma memória importante, a respeito de alguns dos personagens mais interessantes de Chaves: os misteriosos churruminos. A cena em que esse termo é introduzido, uma interação entre Chaves e Chiquinha, é uma das minhas favoritas e eu sempre a citei, para várias pessoas, dizendo que ela contém estas falas:
– Que é isso? Tá louco?
– Shhh... Estou caçando churruminos.
– Caçando o quê?
– Churruminos.
– E o que é isso?

– Não sei. Ainda não peguei nenhum.

Depois de citar as falas, eu sempre dizia, com a maior empolgação, que esse gracejo põe em evidência um problema filosófico fundamental. O alvo de nosso riso, o fato de que a tal busca pelos churruminos não faz o menor sentido, nos diz algo importante sobre o buscar. Eis aí algo que interessa a filósofos de diferentes tradições. Heidegger, por exemplo, bem que poderia ter usado essa ilustrativa pilhéria como artifício expositivo em Ser e Tempo, o que contribuiria para tornar sua leitura mais divertida, digo, para tornar sua leitura ao menos um pouco divertida. Poderia aparecer como uma pequena digressão mais ou menos nesta altura:

Enquanto busca, o questionar necessita de uma orientação prévia do que se busca. Para isso, o sentido de ser já nos deve estar, de alguma maneira, à disposição. Já sealudiu que sempre nos movemos numa compreensão de ser. É dela que brota a questão explícita do sentido de ser e a tendência para o seu conceito (§2).

O conhecimento, então, é a meta de uma investigação, mas também, de certa forma, deve estar no seu ponto de partida. Esse é o cerne do que atualmente recebe o nome de Paradoxo de Mênon, devido a esta passagem de um diálogo de Platão:

 E de que modo, Sócrates, te arranjarás para procurar o que não sabes absolutamente o que seja? Das coisas que desconheces, qual é a que te propões procurar? E se porventura vieres a encontrá-la, como poderás saber que é ela, se nunca a conheceste?
– Compreendo, Mênon, o que queres dizer. Mas, será que avalias, de fato, quanto é provocativa tua proposição de que o homem não pode procurar nem o que sabe nem o que não sabe? Não pode procurar o que sabe, pelo simples fato de já o conhecer; não precisará portanto, esforçar-se para procurá-lo; nem o que ignora, pois não saberá mesmo o que terá de procurar (Mênon, 80d-81a. Trad. Carlos Alberto Nunes).

Sócrates considera provocativa a fala de seu interlocutor porque ela sugere que a aquisição de conhecimento ou é desnecessária ou é impossível. Ora, se assim fosse, a forma de vida de Sócrates perderia o sentido, pois ela consiste essencialmente em buscar a sabedoria. Seria, então, a atividade filosófica tão vã como a caça aos churruminos?

Platão lida com esse desafio apelando à sua célebre teoria da reminiscência, em que propõe que, realmente, a alma humana não adquire conhecimento. Quando alguém parece aprender algo, está, na verdade, relembrando algo que sabia antes de nascer. Nossas almas, antes de serem aprisionadas em seus respectivos corpos, contemplavam diretamente a realidade última, o mundo eterno das Formas. Durante a estada no mundo material, a alma perde esse acesso privilegiado ao verdadeiro conhecimento, sendo capaz de recuperá-lo apenas parcialmente e depois de muito esforço.

Segundo Platão, os seres materiais são apenas uma imperfeita imitação (mímesis) daquilo que existe no mundo das Formas. E, naturalmente, o trabalho do filósofo deve se orientar pelos originais, não pelas cópias. Os objetos concretos, acessados pela percepção, não prestam o auxílio de que necessita a alma que anseia pelo conhecimento. Esse é um papel que cabe somente a outras almas, que podem criar, por meio do diálogo, as condições que propiciam a reminiscência. Durante os diálogos, conteúdos não podem ser exportados de uma alma para outra. Por isso que Sócrates chama sua atuação de maiêutica, por ela ser similar ao trabalho da parteira, que apenas ajuda a trazer à tona algo que está no interior do outro.

E aqui retorno aos churruminos e à afinidade entre humor e filosofia. Iniciei a breve e precária apresentação do pensamento de Platão que vai acima com a enunciação de certo problema, o Paradoxo de Mênon, problema este que aparece, condensado, naquele trecho do diálogo sobre os churruminos. Por seu poder de apresentar conteúdos relevantes de forma sintética e saliente, piadas desse tipo são capazes de facilitar a identificação de relações conceituais fundamentais para a atividade filosófica. Esse potencial é ainda mais evidente no âmbito do compartilhamento de pensamentos filosóficos, onde uma piada – uma piada excepcional, claro –, usada com habilidade, pode tornar-se uma espécie de deflagrador de insights alheios, um mecanismo de intervenção maiêutica instantânea.

Pois bem, toda a cadeia de pensamento que vai acima, aparentemente, está baseada numa falha de minha memória. Eu tinha plena segurança de que a cena que introduz os churruminos era tal como relatei. Mas vi novamente o episódio e eis que, na verdade, o diálogo entre Chaves e Chiquinha é este:
– Que é isso? Tá louco?
– Shhh... Estou caçando churruminos.
– Caçando o quê?
– Churruminos.
– E o que é isso?
– Os churruminos são uns bichinhos assim pequenininhos, pequenininhos, que só existem na minha imaginação.

A revelação fez-me pensar que minhas reminiscências estão mais para mímesis fajutas que para revelações de realidades eternas. Mas a surpresa não foi de todo má, pois essa segunda versão do diálogo também contém considerável potencial filosófico. Ela me fez lembrar o Argumento da Linguagem Privada do tal Wittgenstein, que citei na abertura, lembrança que dá um bom mote para outro texto.